Juíza de Curitiba declara que homem negro é criminoso "em razão da sua raça"
Modificado em 12/08/2020, 13:56
Em decisão proferida no dia 19 de junho e publicada nesta terça (11), Natan Vieira da Paz, de 48 anos, foi condenado a 14 anos e dois meses de prisão pela juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana, de Curitiba, acusado de integrar uma organização criminosa e praticar furtos.
Essa seria apenas mais uma condenação devido à um crime se não fosse a sentença da juíza. No texto, ela afirma que o réu, que é negro, “seguramente” integra grupo criminoso “em razão de sua raça”.
"Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”, escreveu Inês Zarpelon.
Em outros dois trechos, a magistrada repete a afirmação ao citar o acusado. "Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”, publicou a magistrada.
A advogada do réu, Thayse Pozzobon, denunciou a sentença com cunho racista em suas redes sociais e diz que já acionou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Paraná, e as comissões de igualdade e direitos humanos.
Após a repercussão, a juíza Inês Marchalek Zarpelon se desculpou e explicou que a frase foi retirada de contexto e que em momento nenhum ela se referiu a cor para rotular ou justificar a participação do réu em uma organização criminosa. Além disso declarou que a condenação foi feita com base nas provas contra Natan
Para esclarecer sua declaração, Inês divulgou a seguinte nota:
"A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.
A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.
Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.
A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.
Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.
A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.
Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.
O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.
Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pág. 117), ofendi a alguém".