Governo ignora críticas e nomeia pastor evangélico para cuidar de índios isolados
Modificado em 05/02/2020, 11:15
O Ministério da Justiça e Segurança Pública nomeou o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai). A nomeação é assinada pelo secretário executivo da pasta, Luiz Pontel de Souza, e está formalizada no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira.
Conforme o jornal O Estado de S. Paulo informou na semana passada, a indicação do pastor evangélico e ex-missionário para chefiar a área levou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das principais ONGs do setor, a divulgar uma nota de repúdio contra sua nomeação.
Na nota, a Coiab argumentou que o País estará sujeito a “crimes de genocídio e etnocídio que serão cometidos contra os nossos parentes isolados e de recente contato caso se concretize a nomeação de uma pessoa ligada às atividades de proselitismo religioso para o setor da Funai que atua com esses nossos parentes”.
A entidade afirma que os indígenas “sofreram historicamente com a atuação de missionários proselitistas – muitos deles da Missão Novas tribos do Brasil (MNTB) – que fizeram contato forçado com nossos avôs e avós”.
Ricardo Lopes Dias já foi ligado MNTB e atuava como missionário, evangelizando índios na região da terra indígena Vale do Javari, no Amazonas, uma das maiores terras indígenas demarcadas do País, com mais de 8 milhões de hectares e que concentra o maior número de registros de povos indígenas isolados em todo o mundo.
Segundo a Coiab, o contato forçado foi feito por meio de mentiras, violência e ameaças de morte. “Em outras investidas de contato para nos evangelizar nos ofereceram presentes para atrair e nos enganar, muitas vezes esses presentes estavam contaminados com doenças, o que levou muitos de nossos parentes à morte”, declara a organização.
“Temos o direito de pensar e viver diferente da sociedade não indígena. Temos o direito a nossos territórios! Não vamos deixar que tais igrejas e esses fundamentalistas religiosos façam com nossos parentes isolados o que fizeram com nossas famílias no passado!”, conclui a Coiab. A Funai não se manifestou a respeito
Protestos
Diversas outras organizações não governamentais emitiram notas de repúdio contra a indicação de Ricardo Lopes Dias para cuidar da área de índios isolados. “A atuação missionária nas aldeias tem sido nociva tanto quanto as doenças, pois causa a desorganização étnica, social e cultural dos povos indígenas”, declarou a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja)
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também protestou contra a escolha da Funai. “O governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abandono à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos, para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores”, afirmou.