Delatora diz que vaga no Fies custava R$ 100 mil
Modificado em 03/01/2020, 09:02
Uma ex-diretora da Universidade Brasil, de Fernandópolis (SP), disse à Polícia Federal que alunos pagavam até R$ 80 mil por uma vaga na faculdade de Medicina, e R$ 100 mil quando se incluía o Financiamento Estudantil (Fies). A revelação foi feita por Juliana da Costa e Silva em delação da Operação Vagatomia. A Universidade Brasil entrou na mira da PF em setembro por venda de vagas no curso, irregularidades no exame de revalidação de diplomas e fraudes no Fies estimadas em até R$ 500 milhões. José Fernando Pinto da Costa, dono da universidade, e seu filho chegaram a ser presos na ocasião.
Juliana era responsável pelo projeto pedagógico dos cursos da área da Saúde e afirmou que os funcionários Adeli de Oliveira e Rosival Mateus Molina "encabeçavam" a captação de alunos que buscavam transferência de curso. A prática seria uma forma de potencializar os lucros da universidade, usando o aval do Ministério da Educação para um aumento na oferta de vagas. "O cara ia para o sétimo semestre, só que o Adeli e a equipe vendiam para ele que viria para o nono", exemplifica a colaboradora. "Aí é onde começavam os atritos, porque o aluno chegava às reuniões (dizendo): 'Eu paguei 80 mil (reais)'." De acordo com Juliana, as ofertas de vagas no Fies ocorriam até no pátio da universidade. "Eles comentavam na fila da cantina", afirmou.
A fraude
A mensalidade de Medicina na Universidade Brasil passa dos R$ 9 mil. Por isso, uma das estratégias adotadas pelo grupo para ampliar o lucro era aprovar os alunos em outros cursos da área da Saúde para, depois, transferi-los para Medicina. "As oportunidades fraudulentas de financiamento público eram abertamente comercializadas no câmpus de Fernandópolis por membros da organização criminosa, que cobravam até R$ 40 mil para 'orientar' os estudantes interessados e instruir os procedimentos de contratação com as informações falsas", dizem os procuradores na denúncia.
Conforme a delação, após cooptar os alunos interessados, uma equipe de Rosival cuidava de inserir dados e documentação falsos no sistema de financiamento estudantil. "E eu não me lembro de ter tido algum Fies negado", disse a delatora. Segundo ela, isso era possível pois Rosival, então diretor comercial do grupo, possuía a senha de acesso ao sistema e dava aval para os contratos, onde se fraudaria até a renda familiar.
E o caso não se limitaria ao território brasileiro. A ex-diretora de graduação da Universidade Brasil contou à Polícia Federal que ouviu relato de alunos provenientes do estrangeiro que pagavam propinas para receber documentação falsa quanto às aulas cursadas. "Vários confessaram para mim que compram na Bolívia, no Paraguai, um semestre por 20 mil (reais), 10 mil (reais), 15 mil (reais)", relatou Juliana. Dessa forma, um aluno poderia obter documentos que falsamente atestavam que já teria concluído um determinado número de semestres.
A revalidação de diplomas obtidos no exterior é de responsabilidade das universidades públicas. Contudo, aqueles que não conseguem passar nas avaliações podem recorrer a universidades privadas para realizar estudos complementares. A Universidade Brasil atuava nesse sentido, com convênio firmado com a Universidade Federal de Mato Grosso. Juliana era a responsável por avaliar a carga horária cursada por aluno. Para aqueles que já haviam concluído o curso no exterior, seria necessário realizar dois anos de internato em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS).
Investigações
As fraudes foram denunciadas ao Ministério Público Federal por alunos que ingressaram de forma regular na instituição. Segundo eles, o aumento de estudantes de Medicina fez a qualidade do câmpus cair. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal suspeitam ainda que o suposto esquema envolvia a consultoria de um ex-diretor do Ministério da Educação. O Conselho Regional de Medicina abriu cinco sindicâncias e investiga ao menos 25 médicos para apurar a relação deles com a universidade.
Em outubro, o Ministério Público Federal denunciou 32 investigados por supostamente participarem de uma organização criminosa de venda de vagas na Universidade Brasil. A Procuradoria atribui a 20 outros suspeitos estelionato contra a União e inserção de dados falsos em sistema da administração pública com o fim de obter vantagem indevida. A Procuradoria ajuizou outras duas denúncias contra parte do grupo, por falsidade ideológica e fraude processual, relacionadas a supostas tentativas de obstrução das investigações.
Defesas
Procurada, a universidade destacou a delação como "fraudulenta" e afirmou que Juliana "era a líder da organização criminosa que perpetrou as fraudes". "Era responsável pela montagem dos editais usados nos crimes, inclusive com a fabricação de documentos com a colagem de assinaturas de Fernando Costa Pinto, então reitor, com vistas a incriminá-lo. Em outros termos: todas as fraudes 'denunciadas' por Juliana a tinham como maestrina."
Segundo a instituição, a ex-colaboradora ainda trabalharia para concorrentes e seria responsável pela infiltração irregular no câmpus do delegado da PF Cristiano Pádua da Silva. "O caso em questão é apurado pela Corregedoria da PF em São Paulo."
À Corregedoria, Silva, que preside o inquérito da Vagatomia, classificou de "fantasiosas" e "devaneios" as acusações. "A verdade é que a investigação foi bem conduzida e ao que parece só restou atacar a honra de quem investiga."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.