Mães de bebês com microcefalia vivem novos desafios
Modificado em 25/11/2018, 21:37
Uma sucessão de abandonos e incertezas. Assim é descrita por pesquisadores a realidade de milhares de mães de bebês que nasceram com microcefalia e outras sequelas devido à infecção pelo Zika vírus. Depois de três anos de o Ministério da Saúde declarar estado de emergência nacional para a epidemia do zika, essas mulheres ainda enfrentam rotina desgastante e solitária para cuidar dos filhos e buscar soluções para a doença.
Os dados mostram que a maioria das mães é pobre e negra, com pouca ou nenhuma escolaridade. De acordo com os pesquisadores, as mulheres afetadas pelo primeiro surto se sentem esquecidas pela mídia, academia e pelo Poder Público. Segundo os especialistas, elas acompanham o crescimento dos filhos sob expectativa e dúvidas.
A pergunta que permanece para essas mães é se serão curadas as sequelas físicas e emocionais nos filhos que elas geraram e acompanham.
Relatos
Moradora de São Lourenço da Mata, área metropolitana do Recife (PE), Ana Carla Bernardo, 26 anos, teve sua rotina alterada pela epidemia há três anos. O nascimento de sua filha, Elizabeth, marcou o início de uma nova fase, cheia de percalços e descobertas.
Diagnosticada com a síndrome, a criança nasceu com baixa visão e passou por algumas crises convulsivas. Dedicada integralmente aos cuidados da filha, Ana Carla disse que a única melhora que percebeu no atendimento foi o acesso à fisioterapia, antes restrita a poucas crianças.
“Ela era muito molinha, ela está bem melhor agora, mais esperta. Mas, ainda há muitas coisas pela frente. Ela ainda não anda, não fica muito tempo sentadinha só. Já está no terceiro óculos, está melhorando, evoluindo”, relatou Ana Carla Bernardo à Agência Brasil.
Apesar da melhora, as convulsões afetaram o sistema locomotor de Elizabeth, que acabou desenvolvendo uma luxação no quadril. A menina será submetida a uma cirurgia para resolver o problema.
Desde 2015, o Ministério da Saúde confirmou mais de 2,8 mil casos de crianças infectadas pelo vírus. Desse total, 70% receberam algum tipo de cuidado e apenas três em cada 10 crianças recebem três tipos de serviço (puericultura, estimulação precoce e atenção especializada).
Micro-histórias
Parte das histórias de medo e expectativa de outras mulheres que estão passando por essa mesma realidade está em um estudo de antropólogas da Universidade de Brasília (UnB).
O objetivo do projeto, intitulado “Zika e microcefalia: um estudo antropológico sobre os impactos dos diagnósticos e prognósticos das malformações fetais no cotidiano de mulheres e suas famílias no estado de Pernambuco”, é dar visibilidade à trajetória vivida pelas mães e apresentar a epidemia e seus impactos a partir de uma abordagem antropológica.
O grupo é formado por nove pesquisadoras que desenvolvem um trabalho de acompanhamento de algumas mães no Recife (PE), cidade onde foi registrado o maior número de casos de microcefalia no país.
O projeto teve início logo após o impacto das primeiras notícias da epidemia, em 2016, e ainda está em fase de campo. A cada seis meses, a equipe de antropólogas viaja para Pernambuco e passa alguns dias acompanhando mães em várias atividades do cotidiano.
Os relatos sobre as observações feitas nos últimos anos são apresentados em textos narrativos publicados no blog “Microhistórias”.